Prova Final - correção


Questão 01
Helena, para acudir a mãe, que, internada em um hospital, necessitava submeter-se a cirurgia de urgência, tentou utilizar o seu seguro-saúde, tendo obtido, contudo, resposta negativa da seguradora em razão da existência de exclusão contratual de cobertura. Como necessitava, com urgência, de recursos, Helena celebrou um contrato de mútuo, obrigando-se a arcar com o pagamento de taxa de juros mensal muito superior à usual do mercado.
Nessa situação, que argumentos poderiam ser utilizados para anular o negócio jurídico ou alterar a taxa de juros pactuada? Justifique a sua resposta.
Helena poderia alegar a ocorrência de lesão, pois sob premente necessidade se obrigou a prestação desproporcional, com fundamento no artigo 157 do Código Civil. Na hipótese da parte favorecida (mutuante) concordar com a redução da taxa de juros, não haverá a anulação do negócio. O lesado pode pleitear a manutenção do negócio com a modificação, segundo juízos de equidade, da taxa de juros pactuada.

Questão 02
Miranda sofre acidente, vindo a necessitar urgentemente de atendimento médico hospitalar. O hospital recebe o paciente, mas exige um cheque caução do seu irmão, Cláudio, no exorbitante valor de trezentos mil reais. No dia seguinte, Cláudio consulta seu advogado para saber se tal garantia pode ser anulada. Com fundamentos legais, responda à consulta do cliente.
Padrão de resposta: Cláudio pode pleitear judicialmente a anulação do negócio jurídico pois o mesmo foi realizado sob o vício do estado de perigo, previsto no art. 156 do Código Civil.

Questão 03
Fábio, em junho de 2006, dirigindo embriagado e sem habilitação, causou, com culpa exclusiva sua, um acidente de trânsito no qual danificou o carro de Marly e lesionou gravemente o passageiro Heron, sobrinho de Marly, com 12 anos de idade. Logo em seguida, no mesmo mês, pretendendo resguardar seu patrimônio de uma possível ação judicial a ser intentada por Marly e/ou Heron para compensação dos danos sofridos, Fábio transmitiu todos os seus bens, gratuitamente, a Antônio, um amigo de longa data que, mesmo sabendo da intenção maliciosa de Fábio, concordou em auxiliá-lo. Em face dessa situação hipotética, responda, de forma fundamentada:
a) O negócio jurídico está eivado por qual vício? Fundamente.
b) Qual a ação de que podem se valer Marly e Heron para pleitear a anulação do negócio jurídico realizado por Fábio? Fundamente.
c) Em junho de 2011 já teria escoado o prazo, tanto para Marly quanto para Heron, para ingressarem em juízo?
(a) A doação dos bens de Fábio a Antônio foi realizada com  fraude contra credores (artigo 158, CC), (b) podendo Marly e Heron ajuizar ação pauliana para obter a sua anulação. (c) A ação pauliana poderia ter sido ajuizada no prazo decadencial de 4 anos do dia em que se realizou o negócio jurídico fraudulento (art. 178, II, CC), ou seja, até junho de 2010. Já a ação de reparação de danos, poderia ter sido ajuizada pelo menor Heron no prazo de 3 anos do término da causa impeditiva da prescrição (incapacidade absoluta – artigo 198, I, CC). Como a vítima completou 16 anos em 2010, a prescrição se deu em junho de 2013 (artigo 206, parágrafo 3º, V, CC). No caso de Marly, a prescrição da pretensão à reparação ocorreu em junho de 2009 (3 anos após a data do acidente). Como não se trata de obrigação indivisível, não se aplica ao caso o artigo 201, CC, devendo os prazos prescricionais ser computados distintamente entre Heron e Marly.

Questão 04
Alfredo e Valdete são casados e dentre os bens do casal encontra-se um apartamento locado no bairro do Ipiranga – Cidade de São Paulo. Com a aposentadoria de Alfredo, o casal, nos próximos meses, finalmente colocará em prática o acalentado sonho de se mudarem para a cidade de Natal - RN. Nesse sentido, Alfredo e Valdete resolvem doar o apartamento em questão aos filhos do casal, Lucas e Letícia. A razão de ser dessa transferência foi o fato de os referidos filhos já se encontrarem formados, independentes economicamente, e, portanto, com condições de arcar com despesas próprias da manutenção de um imóvel. Deve-se destacar ainda que, afora o apartamento em questão, Alfredo e Valdete possuem outros imóveis, um residencial e ainda uma sala comercial — a qual, no entanto, encontra-se penhorada. A penhora se deu em virtude do não adimplemento por parte do casal de um empréstimo levantado junto ao Banco Alfa S/A há alguns meses. Confiante de que o valor do imóvel penhorado saldaria suas dívidas, o casal resolveu dar seguimento aos seus intentos. Com o imóvel já doado, Alfredo e Valdete planejavam a vida na nova cidade. Ficaram surpresos, contudo, quando receberam a citação judicial informando do ajuizamento de ação pauliana visando a desconstituição da doação celebrada. O Banco Alfa afirmou que o valor do imóvel penhorado não cobria o valor da dívida e os custos com o trâmite judicial. Destacou a instituição financeira que o valor de mercado do bem sofrera um considerável decréscimo nos últimos meses e dessa forma, uma garantia suplementar seria necessária, daí a necessidade de igualmente penhorar o imóvel do casal. Alfredo e Valdete contestam essas alegações destacando que o valor do imóvel seria sim suficiente para saldar o débito. Ainda que não o fosse, há a impossibilidade de anular o negócio, visto que a intenção dos doadores não foi a de burlar a lei. Com base no exposto, responda:
a) A ação pauliana foi ajuizada com fundamente em que instituto jurídico? Enumere quais são os elementos desse instituto e quem são os integrantes do pólo passivo da relação processual.
b) As alegações do casal na contestação são procedentes? Justifique.
a) A ação pauliana foi baseada na alegação de que o casal terial realizado uma fraude contra credores (artigo 158, CC). Para sua caracterização se faz necessário o “eventos damni” (a alienação reduziu o devedor a insolvência) e o “consilius fraudis” (má-fé do terceiro adquirente). São legitimados a ajuizar a ação os credores quirografários e que já o eram ao tempo da alienação fraudulenta (art. 158, caput e par. 2º, CC). Ela deve ser proposta contra o devedor insolvente e contra quem ele celebrou a estipulação considerada fraudulente e ainda contra terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé (art. 161). Logo a ação deve ser ajuizada pelo Banco Alfa, contra o casal e seus filhos.
 b) No caso acima, deve ser observado que não há consilium fraudis, isto é, o casal não tinha noção de que o ato desfalcaria os credores. Nesse sentido, eles procedem ingenuamente. Quanto à circunstância de ter havido uma transferência a título gratuito, deve ser observado que na ocasião da doção os devedores ainda não eram insolventes. Logo são procedentes as alegações do casal.


Questão 05:
O prefeito de determinado município foi condenado judicialmente ao pagamento de R$ 128.000,00, em decorrência da inexecução do objeto de um convênio celebrado com uma autarquia federal, que previa o repasse de dinheiro para a construção de uma escola, com prazo para execução de 3 meses, e para prestação de contas de 4 meses, a contar da assinatura do contrato. O prefeito recorreu da decisão alegando o seguinte: a) os problemas na execução do convênio e na prestação de contas ocorreram em razão de se tratar de prefeitura de município pequeno, cujos servidores não dominam os detalhes da legislação federal aplicável aos convênios em espécie. Considerando o disposto no artigo 3º da LINDB, que estabelece que a ninguém é dado alegar em seu benefício o desconhecimento da lei; por outro lado, diante do disposto no artigo 139, III do CC, que estabelece a anulabilidade do ato quando o erro direito for o motivo único ou principal de sua realização e o reconhecimento do erro jurídico não implica recusa à aplicação da lei. Pergunta-se:
A)      Procedem as alegações do prefeito?
B)       Como conciliar o disposto no artigo 3º, LINDB com o artigo 139, III do Código Civil?
A) As alegações do prefeito não procedem, pois o artigo 3º da LINDB estabeleceu um imperativo de conveniência jurídica pelo qual a nenhuma pessoa será dado justificar o descumprimento de um comando legal sob a alegação de desconhecer o seu respectivo texto.
B) Por outro lado, prevê-se que a ignorância a respeito de um dispositivo de lei, ou mesmo a ocorrência de eventual equivoco no ato de interpretá-lo, pode conduzir o sujeito à celebração de um negócio que jamais teria firmado, fosse melhor conhecida a dicção legal. Trata-se do erro de direito, que pode causar a anulabilidade do ato. Assim, o erro de direito só ocorr equando o pactuante não tenha dado causa ao descumprimento da norma cogente. O erro de direito não se confunde com a proibição de alegação de ignorância da lei, como justificador de seu mero descumprimento (art. 3º, LINDB)


Questão 06
Paulo, desejando adquirir um televisor usado, comprou de seu vizinho, Pedro, pelo preço de mercado, um monitor de computador que não servia para receber imagens de televisão. Na ocasião da venda, Pedro garantiu a Paulo que o bem era um aparelho de televisão. Considerando a situação hipotética acima e as disposições do Código Civil, resposta:
a)       Em que prazo Paulo poderá pleitear a anulação do negócio jurídico?
b)       A partir de que dia esse prazo deverá ser contado?
c)       Qual a natureza jurídica do prazo? É prescricional ou decadência? Por que?
Configurado o dolo, ter-se-á a anulabilidade do negócio jurídico (art. 145), abrindo-se prazo de decadência de 4 anos contados da data do ajuste, para que se promova a competente ação anulatória (art. 178, II).

Questão 07
O proprietário que edifica em terreno próprio de forma regular e, por consequência, impede a vista do vizinho para um belo bosque, bem como acesso à avenida principal, o que obriga o vizinho a percorrer diariamente mais de 5 km, estaria obrigado a indenizar o vizinho pelos prejuízos sofrido? Quais os requisitos necessários para configuração da responsabilidade civil?
Não há indenização, pois o ato não é ilícito, mas decorre de um exercício regular de direito (artigos 186, 927 e 188, I, CC). Para configuração da responsabilidade civil necessário: ação (ou omissão), dano, nexo causal e culpa.

Questão 08:
Em decorrência de maus tratos sofridos durante o tempo em que esteve na prisão, Teodoro teve de ser interditado, mediante processo judicial, por enfermidade ou deficiência mental que lhe subtraíram totalmente o necessário discernimento para a prática de atos da vida civil. Em face da situação hipotética descrita, bem como da legislação atual, é possível dizer que não  correrá contra Teodoro o prazo prescricional estabelecido para a pretensão de reparação de dano, uma vez que o Código Civil estabelece que os prazos de prescrição não correm contra nenhum incapaz? É necessário justificar a resposta para que seja atribuída a pontuação à questão.
A afirmação está errada, pois a imunidade contra o transcurso do lapso prescricional, prevista no artigo 198, I, CC, só ocorre para os incapazes de que trata o artigo 3º, CC, e não contra nenhum incapaz. O caso relata hipótese de relativamente incapaz.